A chef Gabriela Barretto, habitou a infância em um sítio na cidade de Descalvado, no interior de São Paulo. Restrita aos limites da propriedade, e cercada por uma abundância de produtos, encontrou na cozinha sua brincadeira favorita. Fruto de um amor pela terra e um senso obstinado de autossuficiência de seu pai, Cid, o sítio fornecia de singelas cenouras a guabiroba e jambolão roxo. As geleias eram caseiras, cozidas em tachos e com muito açúcar. Com o leite que chegava cru, a família fazia sua própria manteiga, ou queijo e requeijão de panela.
Em 1997, ela decidiu cursar Letras e mudou-se para Campinas. No fim da faculdade, percebeu que se dedicava mais às leituras de gastronomia do que à literatura. Hermético demais, o mundo acadêmico não lhe agradava. Mudou-se para Paris aos 22 anos para fazer um intensivo de nove meses no Cordon Bleu. Estagiou no 6 New York, “um bistrô da moda onde tinha liberdade para realmente pôr a mão na massa”, e no mítico Le Grand Vêfour. Passou depois uma temporada na Itália, cuja cozinha, mais crua e robusta do que a francesa, sugeriu as bases do que seria seu estilo de cozinha.
De volta ao Brasil, soube de um novo restaurante. Era o Julia, de Paola Carosella. A experiência com a chef argentina, em especial sua reverência ao fogo e à liberdade de “servir a comida como ela é”, somou mais alguns blocos na construção de sua identidade como cozinheira. Com um ano no Julia, mudou-se para a Argentina e, em seguida, para a Espanha. Após uma viagem de trem de nove horas para o País Basco, bateu na porta do Asador Etxebarri, uma instituição entre as casas de grelha, pedindo emprego. “Voltei de lá sabendo que queria trabalhar com fogo.”
Em 2008, numa tímida casinha com recuo no bairro de Pinheiros, Gabriela abriu o Chou. O cardápio, de pequenos pratos para compartilhar, é pontuado pela complexidade de sabor da brasa e equilibrado pela acidez. Uma profusão de legumes e folhas faz frente à seleta lista de peixes e carnes que, como costuma dizer Gabi, “estão lá porque de fato valem a pena”. Premiado e retratado pela imprensa à medida que permite a resistência aos holofotes de sua dona, o restaurante segue abrindo apenas à noite. Recebe uma maioria de clientes recorrentes, que disputam as mesas de seu jardim de iluminação baixa.
Em 2016, publicou “Como Cozinhar Sua Preguiça”, livro de receitas e manifesto, numa vez discreto e obstinado, pela cozinha simples e de produto, pelo cozinhar descompromissado.
Por mais de dez anos, Gabriela não quis saber de uma segunda casa. Mas um belo dia passou em frente a um estacionamento “amplo e de clima um pouco distópico”, onde enxergou, talvez quem sabe, um novo restaurante. Em janeiro de 2018, abre, em sociedade com a irmã Karina, o FUTURO Refeitório, um lugar em que se pode tomar café da manhã, almoçar e jantar. Nele não há brasa, mas seguem reinantes os pequenos-pratos-mostly plants que deram fama ao Chou. E há pão bom. E café torrado na casa.